Capitulo 1 - Cultura, Devoção e a Fé de um Povo | Um bate papo sobre Devoção Popular com a Professora Dra. Arlene Denise Bacarji

Arlene Denise Bacarji possuí graduação em Filosofia pela Universidade Católica Dom Bosco (1991), Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (2000), Mestrado em Teologia pela PUC-RS e Doutorado em Teologia pela PUC-RJ. No Centro Universitário Internacional (UNINTER) atuou como tutora e professora do Curso de Teologia, na Faculdade Canção Nova atuou como professora e coordenadora do Curso de Teologia, além de uma brilhante carreira como docente, Arlene é autora da obra "A Impostura no Ministério da Ordem", onde trata do porque pessoas com transtorno de personalidade e perversões entram no Clero Católico, Arlene ainda escreve as obras “A re-institucionalização da Igreja” que trata da Igreja como depósito de sentido para a vida, e como evangelizar na cultura atual e “Um recado para o Papa, a Igreja e a caverna de Platão”, onde sugere como resolver parte dos problemas enfrentados pela Igreja em seu clero. Ela ainda ministrou e escreveu ensaios e artigos sobre diferentes questões da Fé Católica, dentre eles a Eclesiologia, Devoção Popular, Família, Juventude, Cultura, Sexualidade e a Ordem Sacerdotal.

O Primeiro Capitulo da Obra Interativa "A História da Fé de um Povo" trazemos uma entrevista exclusiva com a Professora Dra. Arlene Denise Bacarji, ela de um modo muito especial nos conta sobre essa luz que é a Devoção Popular, como essa devoção é um farol e um alimento para religiosidade do povo católico e a influência dessa cultura devocional na vida e na história de cada homem de boa vontade.

 

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Arlene qual foi a influência da Igreja Católica na formação cultural do Ocidente?

Teve influência na origem das universidades, na divulgação da filosofia clássica e grega, na promoção das artes, e talvez até mesmo na busca pela paz, pela democracia, pelos direitos dos povos, pois ao contrário dos que muitos pensam, o cristianismo promove a paz, o direito e a tolerância para com a diversidade cultural, étnica, racial e de todo tipo. Onde o cristianismo não promove isso, é porque não é cristianismo e catolicismo de verdade. Embora o ocidente teve suas décadas sombrias, como as duas grandes guerras, o nazismo, o fascismo, e algumas ditaduras, podemos verificar o quanto a ditadura, a violência contra a mulher, a guerra, ainda permanece em muitos países não cristãos, se formos comparar com os países cristãos do ocidente hoje.

 

Podemos dizer que a cultura do Ocidente, em dois milênios de catolicismo, foi caracterizada na conversão dos pagãos?

Olha, isso é muito complexo. Pois se por um lado, nos três primeiros séculos de cristianismo essa era a busca e o objetivo, após esse período, na cristandade com Constantino, passamos a ter uma realidade onde as pessoas se tornavam cristãs por uma imposição do Estado praticamente ou para inserção social, e já nessa época, cai essa distinção entre pagãos e cristãos, pois com os passar dos séculos, todos vão se tornando cristãos. Hoje não temos mais paganismo, mas temos o pluralismo que por lei deve ser respeitado, o diálogo inter-religioso é algo que deve ser buscado e não podemos mais falar em paganismo da mesma forma que os primeiros cristãos. A conversão das pessoas caiu muito, devido ao mau testemunho dos cristãos e aos problemas da Igreja Católica quanto a questões sérias de moralidade e comportamentos criminosos. Infelizmente caminhamos para o resto de Israel. Quanto a conversão de pagãos, não creio que hoje se possa falar nessa linguagem, ou a Igreja tenha essa ideia. A Ideia é evangelizar as pessoas com os valores do Evangelho, a busca pelo Reino, a nossa contribuição enquanto cristãos, para o Reino de Deus. Penso que esse é o foco hoje da Igreja enquanto missão.

 

Qual a principal diferença entre profano e sagrado? No que a fé católica e no que a fé popular nos ajuda a diferenciar e discernir o que é profano e o que é sagrado?

Profano é tudo aquilo que faz parte do mundo e que não é separado do mundo, que não é divino. Sagrado é aquilo que pertence a Deus e ao Divino. E por isso é respeitado como sagrado.

 

A devoção popular começou nos primeiros séculos da cristandade, já nas perseguições do Império Romano ou na Idade Média? Seria a Idade Média o fortalecimento ou o início das devoções populares?

A devoção popular existe desde o inicio do cristianismo, faz parte da divulgação, promoção e existência do cristianismo. Existe uma linha que atribui as devoções populares à Idade Média, quando o povo não tinha acesso ao cristianismo verdadeiro, então ficava nas devoções populares, e por isso, alguns desprezam a religiosidade popular como se fosse algo ruim, de quem não tem conhecimento ou não tem abertura a um conhecimento mais profundo do cristianismo e do catolicismo.

No entanto, se não fossem as devoções populares, que convertem e levam muita gente a um conhecimento mais profundo do cristianismo, talvez a Igreja Católica estaria hoje vazia. Pois a linguagem dos padres nas homilias quase sempre não atinge a população mais pobre, é uma linguagem muitas vezes desconectada da vida das pessoas, do sofrimento delas, muitas vezes uma linguagem intelectual de padres que fizeram mestrados e doutorados mas que nunca viveram a pobreza e a miséria da vida dos pobres, não sabem o que é o desemprego, a pobreza, a falta de acesso a saúde e a necessidade constante da providência divina, que vem por meio também da intercessão dos santos, da fé que existe na religiosidade popular. Tenho certeza de que se não fosse às devoções marianas e de muitos outros grandes santos, a Igreja estaria hoje bem vazia.

 

O que vem a ser a devoção popular?

As devoções populares são crenças, orações, criações relacionadas a fé católica  e práticas que não fazem parte da liturgia oficial da Igreja (algumas acabam sendo incorporadas), mas que são, a meu ver, na sua maioria (é claro que existem algumas que são fantasiosas e supersticiosas), extremamente intuitivas e em conexão na maioria das vezes, com o sensus fidei. Particularmente respeito muito as devoções populares, pois além de poder conter nelas grande intuição da fé e do sensus fidei, elas também ajudam muito as pessoas e a fé das pessoas.

 

Arlene, numa área especial da Igreja, a pneumatologia, estudamos de forma enfática a influência do Espírito Santo na História Eclesiástica da Igreja. Muitas pessoas que fortalecem e fazem viva essa fé popular, ou tem pouca escolaridade, ou não tem nenhuma, porém são essas pessoas que valorizam tesouros da Fé Católica, como é o caso da récita do Ofício da Imaculada Conceição. Para você, há uma influência do Espírito Santo nesses fenômenos?

Creio que o Espírito Santo orienta sim muitas delas, as mais sérias e mais interessantemente profundas e responsáveis, pois não tem como haver tanta beleza, tanta profundidade, em muitas delas,  que não seja de iluminação do Espírito Santo. Inclusive esta que você citou do Oficio da Imaculada Conceição, é de uma beleza que sem o Espírito santo, não creio que fosse possível.

 

No Brasil, a devoção popular é mais forte do que em outros países?

Com certeza. Por diversos motivos. Primeiro porque é o pais com população mais católica do mundo. Segundo porque a nossa história é uma história de escravos, de escravização, de pessoas que não possuíam acesso ao catolicismo oficial, de pessoas pobres, e que precisavam viver sua fé de alguma forma... E por isso a religiosidade popular se alastrou muito pelo país afora, além da colonização portuguesa que também tinha suas devoções populares.

 

Sabemos que devoções como os Foliões de Reis, a fé no Divino e o Ofício da Imaculada tem influência direta da cultura portuguesa, mas de que forma a Devoção popular de Portugal influenciou, e, de certa forma, formou a Devoção Popular do Brasil?

É claro que essas devoções portuguesas iriam influenciar, pois foram eles que vieram para o Brasil colonizar e logicamente trariam toda a sua cultura e religiosidade da forma como era lá. Então creio que foi um processo natural.

 

Qual a influência e a importância da devoção popular na cultura de todo nosso país?

Creio que influencia mais a fé das pessoas do que a própria cultura. Ou ainda, influencia a existência de uma cultura religiosa, advinda dessas devoções. Pois muitas pessoas, iniciam sua fé por uma devoção e a partir daquela devoção, de um milagre, ou de uma graça alcançada, elas aprofundam sua fé e acabam sendo fiéis católicos comprometidos e atuantes.

 

A devoção popular é uma luz para o povo brasileiro?

Muitas pessoas que não tem muita fé, quando recebem uma graça devido a uma devoção popular que a socorreu em meio a um momento difícil, acabam por se comprometer muito com a fé católica de forma profunda. Também creio que essas devoções são o que realmente não permitem que nossa Igreja se esvazie hoje com tantos escândalos, maus testemunhos de pessoas que representam a Igreja, maus comportamentos de cristãos leigos e leigas. Creio que a devoção popular salva muito a Igreja e faz com que as pessoas possam perceber a Igreja mistério, o acervo cultural e espiritual que a Igreja traz ao longo dos séculos, e oferece a nós hoje, que embora, haja o mau testemunho de alguns, ainda vale a pena ser católico. Pois a Igreja é feita de Santos e Santas, como São Francisco de Assis, São Vicente de Paula, São José, Santo António de Pádua, Nossa Senhora, e tantas centenas de santos que têm por inspiração a Santíssima Trindade e por consequência um acervo imenso espiritual, cultural e intelectual que nos traz o caminho da salvação, dentre eles, o mais importante que é a Sagrada Escritura.